A Doença de Chagas (DC) é uma antropozoonose causada pelo protozoário flagelado Trypanosoma cruzi. Na ocorrência da doença, observam-se duas fases clínicas: uma aguda, que pode ou não ser identificada, podendo evoluir para uma fase crônica caso não seja tratada com medicação específica. No Brasil, devido à transmissão vetorial domiciliar ocorrida no passado e hoje interrompida, predominam os casos crônicos. Estima-se que existam entre dois e três milhões de indivíduos infectados. No entanto, nos últimos anos, a ocorrência de Doença de Chagas aguda tem sido observada em diferentes estados, em especial na região da Amazônia Legal, principalmente, em decorrência da transmissão oral.
Instrumentos para registro e análise
Ficha de notificação/investigação
O que é Doença de Chagas?
A doença de Chagas (ou Tripanossomíase americana) é a infecção causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi.
Apresenta uma fase aguda (doença de Chagas aguda – DCA) que pode ser sintomática ou não, e uma fase crônica, que pode se manifestar nas formas indeterminada (assintomática), cardíaca, digestiva ou cardiodigestiva.
Quais são os sintomas da doença de Chagas?
A Doença de Chagas pode apresentar sintomas distintos nas duas fases que se apresenta, que são a aguda e a crônica.
Na fase aguda, os principais sintomas são:
- febre prolongada (mais de 7 dias);
- dor de cabeça;
- fraqueza intensa;
- inchaço no rosto e pernas.
No caso de picada do barbeiro, pode aparecer uma lesão semelhante a um furúnculo no local
Após a fase aguda, caso a pessoa não receba tratamento oportuno, ela desenvolve a fase crônica da doença, inicialmente sem sintomas (forma indeterminada), podendo, com o passar dos anos, apresentar complicações como:
- problemas cardíacos, como insuficiência cardíaca;
- problemas digestivos, como megacolon e megaesôfago
Como a doença de chagas é transmitida?
As principais formas de transmissão da doença de chagas são:
- Vetorial: contato com fezes de triatomíneos infectados, após picada/repasto (os triatomíneos são insetos popularmente conhecidos como barbeiro, chupão, procotó ou bicudo).
- Oral: ingestão de alimentos contaminados com parasitos provenientes de triatomíneos infectados.
- Vertical: ocorre pela passagem de parasitos de mulheres infectadas por T. cruzi para seus bebês durante a gravidez ou o parto.
- Transfusão de sangue ou transplante de órgãos de doadores infectados a receptores sadios.
- Acidental: pelo contato da pele ferida ou de mucosas com material contaminado durante manipulação em laboratório ou na manipulação de caça.
O período de incubação da Doença de Chagas, ou seja, o tempo que os sintomas começam a aparecer a partir da infecção, é dividido da seguinte forma:
- Transmissão vetorial – de 4 a 15 dias.
- Transmissão transfusional/transplante – de 30 a 40 dias ou mais.
- Transmissão oral – de 3 a 22 dias.
- Transmissão acidental – até, aproximadamente, 20 dias.
Como prevenir a doença de Chagas?
A prevenção da doença de Chagas está intimamente relacionada à forma de transmissão.
Uma das formas de controle é evitar que o inseto “barbeiro” forme colônias dentro das residências, por meio da utilização de inseticidas residuais por equipe técnica habilitada.
Em áreas onde os insetos possam entrar nas casas voando pelas aberturas ou frestas, podem-se usar mosquiteiros ou telas metálicas.
Recomenda-se usar medidas de proteção individual (repelentes, roupas de mangas longas, etc.) durante a realização de atividades noturnas (caçadas, pesca ou pernoite) em áreas de mata.
Quando o morador encontrar triatomíneos no domicílio:
- Não esmagar, apertar, bater ou danificar o inseto;
- Proteger a mão com luva ou saco plástico;
- Os insetos deverão ser acondicionados em recipientes plásticos, com tampa de rosca para evitar a fuga, preferencialmente vivos;
- Amostras coletadas em diferentes ambientes (quarto, sala, cozinha, anexo ou silvestre) deverão ser acondicionadas, separadamente, em frascos rotulados, com as seguintes informações: data e nome do responsável pela coleta, local de captura e endereço.
Em relação à transmissão oral, as principais medidas de prevenção são:
- Intensificar ações de vigilância sanitária e inspeção, em todas as etapas da cadeia de produção de alimentos suscetíveis à contaminação, com especial atenção ao local de manipulação de alimentos.
- Instalar a fonte de iluminação distante dos equipamentos de processamento do alimento para evitar a contaminação acidental por vetores atraídos pela luz.
- Realizar ações de capacitação para manipuladores de alimentos e de profissionais de informação, educação e comunicação.
- Resfriamento ou congelamento de alimentos não previne a transmissão oral por T. cruzi, mas sim o cozimento acima de 45°C, a pasteurização e a liofilização.
As instituições de pesquisa vêm investindo em aplicativos gratuitos para a identificação de triatomíneos. A Fiocruz – Minas Gerais desenvolveu um aplicativo gratuito para identificação de triatomíneos, Triatokey, no qual o usuário responde perguntas sobre características visíveis do inseto a ser identificado.
Acontece um processo de eliminação, por meio das perguntas, que estreita as possibilidades chegando-se ao gênero do animal e a um pequeno número de espécies dentro daquele gênero, sendo de grande utilidade nas atividades de vigilância.
Acesse o aplicativo clicando aqui
A Universidade de Brasília desenvolveu o aplicativo Triatodex, que também tem por objetivo a identificação de triatomíneos até nível de espécie. Ainda, contém informações sobre distribuição geográfica, tamanho, habitats e importância médica das espécies encontradas.
O aplicativo pode ser acessado clicando aqui
Como diagnosticar a Doença de Chagas?
Na fase aguda da doença de Chagas, o diagnóstico se baseia na presença de febre prolongada (mais de 7 dias) e outros sinais e sintomas sugestivos da doença, como fraqueza intensa e inchaço no rosto e pernas, e na presença de fatores epidemiológicos compatíveis, como a ocorrência de surtos (identificação entre familiares/contatos).
Já na fase crônica, a suspeita diagnóstica é baseada nos achados clínicos e na história epidemiológica, porém ressalta-se que parte dos casos não apresenta sintomas, devendo ser considerados os seguintes contextos de risco e vulnerabilidade:
- Ter residido, ou residir, em área com relato de presença de vetor transmissor (barbeiro) da doença de Chagas ou ainda com reservatórios animais (silvestres ou domésticos) com registro de infecção por T. cruzi;
- Ter residido ou residir em habitação onde possa ter ocorrido o convívio com vetor transmissor (principalmente casas de estuque, taipa, sapê, pau-a-pique, madeira, entre outros modos de construção que permitam a colonização por triatomíneos);
- Residir ou ser procedente de área com registro de transmissão ativa de T. cruzi ou com histórico epidemiológico sugestivo da ocorrência da transmissão da doença no passado;
- Ter realizado transfusão de sangue ou hemocomponentes antes de 1992;
- Ter familiares ou pessoas do convívio habitual ou rede social que tenham diagnóstico de doença de Chagas, em especial ser filho (a) de mãe com infecção comprovada por T. cruzi.
Nesse contexto, o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas recomenda o rastreamento para a doença de Chagas em gestantes com fatores de risco, durante o pré-natal.
IMPORTANTE: Para confirmação laboratorial é necessária a realização de exame de sangue (parasitológico e/ou sorológico, a depender da fase da doença) que é realizado gratuitamente pelo SUS. É importante que você procure um médico para que ele possa solicitar os exames e interpretá-los adequadamente, além de avaliar caso a caso os sintomas e sinais clínicos de cada pessoa.
Com o intuito de auxiliar os profissionais de saúde na interpretação de exames laboratoriais geralmente disponibilizados na rede do SUS na confirmação de casos de doença de Chagas na fase aguda, foi criada uma ferramenta para servir de guia especialmente para fins epidemiológicos nas situações mais recorrentes e para apoio assistencial enquanto o apoio de equipe especializada não for conseguido.
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Qual é o tratamento para doença de Chagas?
O tratamento da doença de chagas deve ser indicado por um médico, após a confirmação da doença. O remédio, chamado benznidazol, é fornecido pelo Ministério da Saúde, gratuitamente, mediante solicitação das Secretarias Estaduais de Saúde e deve ser utilizado em pessoas que tenham a doença aguda assim que ela for identificada.
Para as pessoas na fase crônica, a indicação desse medicamento depende da forma clínica e deve ser avaliada caso a caso.
Em casos de intolerância ou que não respondam ao tratamento com benznidazol, o Ministério da Saúde disponibiliza o nifurtimox como alternativa de tratamento, conforme indicações estabelecidas em Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas.
Independente da indicação do tratamento com benznidazol ou nifurtimox, as pessoas na forma cardíaca e/ou digestiva devem ser acompanhadas e receberem o tratamento adequado para as complicações existentes.
IMPORTANTE: O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da doença de Chagas estabelece, com base em evidências, as diretrizes para diagnóstico, tratamento e acompanhamento de pessoas afetadas pela infecção por Trypanosoma cruzi em suas diferentes fases (aguda e crônica) e formas clínicas, além de situações especiais como gestantes e condições de imunossupressão, servindo de subsídio a gestores, profissionais e usuários do SUS, visando garantir a assistência terapêutica integral.
Situação epidemiológica – Doença de Chagas
Em função das ações de controle de vetores realizadas a partir da década de 1970, o Brasil recebeu em 2006 a certificação Internacional da interrupção da transmissão vetorial pelo Triatoma infestans, espécie exótica e responsável pela maior parte da transmissão vetorial no passado. Porém, estima-se que existam aproximadamente 12 milhões de portadores da doença crônica nas Américas, e que haja no Brasil, atualmente, pelo menos um milhão de pessoas infectadas por T. cruzi.
A alteração do quadro epidemiológico da doença de Chagas (DC) no Brasil promoveu a mudança nas ações e estratégias de vigilância, prevenção e controle. Entretanto, o risco de transmissão vetorial da doença de Chagas persiste em função da:
- Existência de espécies de triatomíneos autóctones com elevado potencial de colonização;
- Presença de reservatórios de T. cruzi e da aproximação cada vez mais frequente das populações humanas a esses ambientes;
- Persistência de focos residuais de T. infestans no estado da Bahia
Soma-se a esse quadro a ocorrência de casos e surtos por transmissão oral pela ingestão de alimentos contaminados (caldo de cana, açaí, bacaba, entre outros), vetorial domiciliar sem colonização e vetorial extradomiciliar, principalmente na Amazônia Legal. Entre o período de 2010 a 2019, foram registrados casos confirmados de doença de Chagas aguda na maioria dos estados brasileiros. Entretanto, a maior distribuição, cerca de 84%, concentra-se na região Norte. Destes, o estado do Pará é responsável por 71% dos casos. Em relação às principais formas prováveis de transmissão ocorridas no país, 76% foram por transmissão oral, 8% por transmissão vetorial e em 15% não foi identificada a forma de transmissão.
Boletim Epidemiológico – Número Especial, abr. 2021 – Doença de Chagas
Casos agudos confirmados no SINAN por UF de infecção e residência (2010 A 2019)
Lista de municípios com registro de casos agudos confirmados no SINAN (2010 A 2019)
Mesmo com o controle da ocorrência de novos casos da doença na maioria do território nacional, a magnitude da DC no Brasil permanece relevante. Apesar de não haver dados sistemáticos relativos à prevalência da doença, em estudos recentes as estimativas de prevalência variaram de 1,0 a 2,4% da população, o equivalente a 1,9 a 4,6 milhões de pessoas infectadas por T. cruzi. Reflexo disso é a elevada carga de mortalidade por DC no país, representando uma das quatro maiores causas de mortes por doenças infecciosas e parasitárias.
::.Mortalidade por doença de Chagas por UF de residência (2010 a 2018)
SAGE – Situação de Saúde – Mortalidade – Doenças Infecciosas e Parasitárias http://sage.saude.gov.br/#
Viajantes – Doença de Chagas
É considerado caso suspeito de doença de Chagas o viajante que tenha ingerido alimento suspeito contaminado por T. cruzi ou visitado área com presença de triatomíneos e apresente febre prolongada (superior a 7 dias), acompanhado de pelo menos um dos seguintes sinais:
- Edema de face ou de membros.
- Exantema.
- Adenomegalia.
- Hepatomegalia.
- Esplenomegalia.
- Cardiopatia aguda (taquicardia, sinais de insuficiência cardíaca).
- Manifestações hemorrágicas.
- Sinal de Romaña ou chagoma de inoculação.
Publicações
- Guia de Vigilância em Saúde – Volume único – 2ª edição (SVS/MS)
- BE Número Especial – Doença de Chagas 14 de abril – Dia Mundial
- Recomendações para adequações das ações de vigilância e cuidado ao paciente com doença de Chagas frente à situação epidemiológica da COVID19
- Nota Técnica 36/2012 – Orientações sobre vigilância entomológica e a utilização de inseticida de ação residual no controle de triatomíneos – vetores da doença de Chagas
- Nota Informativa – Informa às Secretarias Estaduais, do Distrito Federal e Municipais da Saúde sobre a Rede de Diagnóstico de Hemoparasitos e reforça as recomendações para a investigação de casos suspeitos de Doença de Chagas Aguda identificados na investigação de casos suspeitos de Malária
- Vol. 50 Nº 02, 2019: Doença de Chagas Aguda e distribuição espacial dos triatomíneos de importância epidemiológica, Brasil 2012 a 2016
- Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), 2018
- Guia de Vigilância em Saúde – Volume único – 2ª edição (SVS/MS)
- II Consenso Brasileiro em doença de Chagas, 2015
- Boletim Epidemiológico – Volume 46 – nº 21 – 2015 – Doença de Chagas aguda no Brasil: série histórica de 2000 a 2013
- Atlas iconográfico dos triatomíneos do Brasil (vetores da doença de Chagas)
- Fundação Nacional de Saúde. Controle de Vetores – Procedimento de Segurança, 1a edição – Brasília, 2001
- Caderno de Atenção Básica nº 22 – Zoonoses
- Guia para vigilância, prevenção, controle e manejo clínico da doença de Chagas aguda transmitida por alimentos (OPAS/OMS)